sexta-feira, outubro 27, 2006

Do (eterno) desejo de ler bem

Quando ainda muito pequena, pequena mesmo, uns 3 anos, eu acordava cedo.
Quando antes, eu acordava e acordava minha mãe. Até que invetamos (ou melhor, ela inventou)a brincadeira. É mais ou menos assim: quem é dorminhoco diz, antes de dormir - sempre bocejando e com o corpo preguiçoso - "amanhã, quem acordar primeiro..." e quem adora acordar cedo e ter companhia para brincar é obrigada a dizer "...deixa o outro dormir!".
Mas a partir dos meus 3 ou 4 anos, minha mae se habituou a acordar cedo. Só mesmo hábito para acabar com a vida que aquela mulher - lindissima - adorava ter: acordar tarde, sair para tormar café, passar no jornaleiro, comprar o JB (ainda não havia vendido a alma para o capeta) e, na lanchonete, no hotel ou em algum lugar que tivesse um café-da-manhã bem servido, le-lo.
Uma criança muda mesmo os hábitos de uma casa - no caso, a casa era minha mãe.
Então, como eu ia dizendo. A partir dos meus 3 ou 4 anos, eu acordava doida para acordar a minha mãe - cara, como era bom pentelhar ela cedinho. Ela acordava de mal humor e eu ria da cara dela. Como era engraçado!
Mas ela já tinha acordado.
Estava sempre na sala, sentada na espreguiçadeira, as voltas de pedaços de jornais - já lidos - com algum livro na mão, ouvindo As Quatro Estações ou Sem Lenço e Sem Documento.
Falávamos pouco. Eu ia para a cozinha, comia e a manha ia se revelando bonita.
Aos poucos, nos falávamos e íamos para a Lagoa, para caminhar e andar de bicileta. Sentávamos nos quiosques e comíamos mais - em casa tinha pouca comida para o café, talvez propositalmente.
Pedíamos geralmente um suco, uma água de coco e algo comestivel - quanto eu já nao tinha me entupido de sorvete.
E mais uma vez, nesse meio, minha mãe pegava o jornal e ia ler a parte - pequena parte - que ela não havia lido enquanto eu dormia.
Cresci no meio da leitura.
Minhas lembranças são essas.
Minha mãe lia muito.
E, por isso - diz ela - escreve bem.
Eu também leio. Talvez não muito. E escrevo mal.
E é impressionante que a cada vez que leio um texto que gosto, um texto bom, tenho o desejo incontrolável de escrever. E não escrevo. Ou poucas vezes escrevo.
Tem vezes que escrevo e não leio - nem o que escrevo, nem o que tenho que ler.
Mas sempre, sempre, tenho o desejo que não fazer um texto bom, mas de escrever bem - que, claro, leva a produção de um texto bom, invevitavelmente (ou não?).
E sempre esse desejo é postergado.
Eu me perco em meu pensamento.
E me perco na imensidão de palavras. Mas ironicamente, elas nunca me satisfazem e busco sempre outras, as quais nunca encontro.
Agora veja:
esse texto ficou sem pé nem cabeça e extremamente confuso.
Nada de como eu tinha pensando em fazê-lo.
As palavras em mim têm vida própria.
Seria escrever bem o dom, a audácia e a força de tomar a vida das palavras para si?

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito deste texto, sobretudo a parte em que você relata sobre você e sua mãe. Ficou muito terno.